HAN: Emoções, Identidade e Coletividade
Marco Aurélio
Mendes & Wilson Lima
No período da colonização de nações e territórios menores que aconteceu após a primeira Revolução Industrial, a Coréia tornou-se alvo da cobiça das grandes potências europeias e do Japão. Na esperança de se desenvolver e defender seu território, os governantes coreanos assinaram diversos tratados comerciais com o Japão, que foram se revelando cada vez mais desiguais, levando ao enfraquecimento da nação. O país acabou transformando-se naquilo que tanto evitava, um protetorado, uma colônia japonesa.
Grande parte da população foi forçada a trabalhar sob condições análogas à escravidão em campos e fábricas e leis foram criadas para suprimir e extinguir a cultura coreana visando a assimilação forçada da cultura japonesa. O idioma coreano foi banido, produções musicais e de literatura proibidas e até mesmo famílias foram obrigadas a dar nomes japoneses a seus filhos. Durante a Guerra do Pacífico (1941-1845), o povo coreano foi enviado para as nações ocupadas pelo império japonês. Os homens foram trabalhar como escravos, enquanto as mulheres, mesmo que ainda crianças, eram forçadas a se tornarem “mulheres de conforto”, nome dado a prostituição na época. Em 1945, após o fim da Segunda Guerra na Europa com a derrota da Alemanha, Itália e Japão, a Coréia foi dividida em duas, com dois sistemas políticos distintos: o norte sob influência da comunista URSS e o Sul capitalista influenciado pelos Estados Unidos.
E este passado de dor e sofrimento, traz para os coreanos uma palavra para designar uma emoção muito particular: Han. Como falam os coreanos, Han é a emoção que se origina do povo que viu sua cultura ser totalmente suprimida e que foi forçado a viver por décadas em condições sub-humanas. Han se refere a uma sensação de injustiça com muita intensidade, como quando alguém é humilhado por outro que está em uma posição de força. O sentimento de sofrimento pelo outro, de ressentimento, de arrependimento por não ter feito nada, de raiva e vingança, é o que caracteriza esta emoção. Talvez Han explique as explosões dos coreanos diante de escândalos de corrupção em seu país, bem diferente dos demais países do Oriente.
Com certeza, a linguagem não consegue capturar exatamente o que é Han. Não há descrição para dor tão grande. O teólogo Kwang-Sun se aproximou bastante, falando do corpo, o que ajuda a nos aproximarmos um pouco mais do que é Han:
“Han é um sentimento de ressentimento não-resolvido contra as injustiças sofridas, um sentimento de desamparo diante do poder esmagador, um sentimento de dor aguda nas entranhas de uma pessoa, fazendo todo o corpo se contorcer, e um desejo obstinado de se vingar e de corrigir o errado - tudo isso combinado”.
Recentemente, fora do contexto coreano, os ocidentais experienciaram o que é algo parecido com Han. A partir da morte absurda de George Floyd, um cidadão afro-americano, houve a explosão do movimento antirracista em todo o mundo, com muita raiva, ressentimento e clamor por justiça. Han, tem muito a nos ensinar. Especialmente, para nós brasileiros, que acabamos naturalizando em nosso dia a dia, aquilo que não pode ser natural: a injustiça e o preconceito.
Referências:
Suh, David Kwang-sun (1983). "Um esboço biográfico de uma consulta teológica asiática". In Commission on Theological Preocups of the Christian Conference of Asia (ed.). Teologia Minjung: Pessoas como Sujeitos da História . Nova York: Orbit Books. p. 17. ISBN 9780862321918 .
https://www.psychologytoday.com/us/blog/hot-thought/201905/national-emotions